Levamos um momento para fazer as lágrimas cessarem, para nos acalmarmos pelo menos um pouco. Então uma enfermeira bate na porta, autorizei-a que entrasse. Ela entrou no quarto pedindo licença e notou que eu e Layla tínhamos o rosto inchado de quem acabara de chorar.
- Desculpem garotas, não vou atrapalhar. – havia em suas mãos uma bandeja.
- Pode entrar você não esta nos atrapalhando. – falei simples e limpei meu rosto com as mãos e Layla sorriu gentil para a mulher.
Layla me olhou ficando espantada e deu um berro me assustando.
- HÁGATA SUAS MÃOS! – assustei-me e olhei para as minhas mãos sem me tocar do que ela estava falando.
MEUS MOVIMENTOS!
Fiquei histérica de felicidade, na verdade nós duas. Ela se levantou e me deu um abraço muito bom, pude acariciar suas costas, eu consigo mexer meus dedos novamente. A enfermeira ficou feliz também, parada nos observando. Colocou a bandeja sobre uma mesinha a frente da cama e saiu sorrindo.
Depois do abraço de comemoração, Layla vira que havia duas xícaras de chá sobre a bandeja, dois copos e uma jarra com leite, era hora da ceia disse ela. Enquanto isso eu mesma peguei o controle da maca, ajustando a posição da mesma. Estávamos orgulhosas por eu conseguir movimentar a partir do tronco, da cintura para cima.
- Uma coisa de cada vez, logo você recupera os movimentos das pernas. – disse ela enquanto me servia o copo de leite com achocolatado.
- Eu espero. – suspirei.
- Você vai, acredito em você.
Tomamos nossa ceia e ficamos conversando, pedi que me contasse sobre Angelina. Minha filha. Layla me mostrou vídeos e fotos em seu celular, como ela é adorável. Contou-me sobre ela ser a minha fã número um, sobre comprar revistas e adereços com fotos ou qualquer coisa que seja relacionada a mim, tive vontade de chorar e chorei. No fim da noite, Layla ajeitou-se para dormir em uma poltrona aparentemente muito confortável e continuamos conversando até pegarmos no sono. Ela me contara tudo o que eu perdi, estou orgulhosa o pai que Justin estava sendo.
No dia seguinte acordei sozinha, mas as coisas de Layla estavam no quarto o que me acalmou. Dr. Gabriel no mesmo instante abriu a porta do mesmo.
- Olha quem acordou!! São quase meio-dia sabia moça bonita? – olhei no relógio preso a parede rapidamente e certifiquei-me de que eram 11 horas ainda.
- Bom dia exagerado. – falei sorrindo – Não posso nem dormir direito? – nós dois rimos, foi impossível não rir, só então me toquei de que a minha piada foi totalmente de humor negro, mas foda-se se trata de mim mesma.
- Você me fazendo rir logo cedo, sua humorista! – ainda estávamos nos recuperando da crise de risos.
- Obrigada, sei que sou engraçadíssima. – gabei-me brincando.
- Soube que você e Layla conversaram ontem. Como se sente dona Hágata?
- Me sinto perdida, porque tudo o que eu te contei ontem não passa de uma mentira. Um pouco decepcionada porque criei afeto por pessoas que não existem. – fiquei triste ao lembrar-me disto.
- Ei. – o olhei. – Você sabia que todas as pessoas com quem sonhamos, por mais que nós nunca tenhamos a visto na vida, elas realmente existem? Não sonhamos com pessoas que não existem, podemos criar nomes contrários, mas todos os rostos que você viu e conheceu, existem. – foi como se Dr. Gabriel tivesse tirado um peso imediato das minhas costas. – Não desista, você um dia pode encontrar as pessoas do seu sonho. – ele falou sorrindo.
Fiquei aliviada por isso. Eu tenho uma chance!
- Doutor por que eu tivesse esse sonho? Eu juro, foi tão real. – falei desapontada e curiosa.
- A explicação eu não sei, na verdade ninguém sabe, não conseguiram realizar estudos explicando o porquê, mas foi comprovado que as pessoas em coma podem escutar e sentir. Você por exemplo nos deu muito trabalho. – ele sorriu.
- Sério? – espantei-me e ele soltou um riso.
- Você sabia que você é uma pessoa expressiva? Suas caretas são um máximo. Você é divertida! – ele tocou meu nariz rapidamente com o indicador – Você já deve ter ouvido muitas vezes a história de pessoas que voltaram da morte e passaram por um túnel de luz. Nesse estado, o cérebro ainda funciona e produz milhares de imagens e ouve os sons de seu ambiente, e sente-se quando tocado. – explicou-me e eu entendi.
- E o que aconteceu comigo? Layla me explicou superficialmente, ou seja, falou um monte eu não entendi nada. – nós rimos novamente, pois sabemos que Layla é tagarela.
- Já que você já sabe de tudo, vou te contar e explicar o que aconteceu.
Tive AVC hemorrágico (ou acidente vascular cerebral hemorrágico), se dá pelo comprometimento de alguma artéria cerebral. Diz que o AVC é hemorrágico quando há o rompimento de um vaso cerebral, ocorrendo um sangramento (hemorragia) em algum ponto do sistema nervoso. Pode causar a morte. Vocês estão assustados? Imagine eu.
- A causa foi ferimento na cabeça e no pescoço que resultaram em danos aos vasos sanguíneos em ambos. E sobre sua dor de cabeça de ontem, era um sintoma do AVC hemorrágico, mas já cuidamos e te medicamos. Vamos trabalhar a prevenção de outro AVC e acompanhamento das sequelas. Quando você tem um AVC hemorrágico, o suprimento de sangue e oxigênio a uma parte do cérebro é reduzido. Ai dona Hágata as células ficam danificadas e podem morrer. O corpo tenta restaurar sangue e oxigênio para as células por meio da ampliação de outras artérias, perto da área. Se esse fornecimento de sangue não for restaurado, podem ocorrer danos cerebrais permanentes o que não é seu caso. Portanto estou impressionado pela rápida recuperação. – ele sorriu.
- Obrigada pela motivação Dr. Gabriel, mas me explica uma coisa, porque acordei com falta dos meus movimentos?
- Pensei que fosse a falta de circulação de sangue, por isso liguei as suas amadas botas ortopédicas. – nós rimos – Mas na verdade as botas ortopédicas te ajudaram e muito. Quando as células do cérebro são danificadas ou morrem as partes do corpo controladas por essas células podem não funcionar. A perda de função pode ser leve ou grave, temporário ou permanente. Isso depende de onde e como a maior parte do cérebro foi danificada e a rapidez com que o fornecimento de sangue foi devolvido para as células afetadas, ou seja, a bota ajuda.
- Entendi, e Doutor ontem eu consegui recuperar o movimento dos meus braços e mãos, menos os das minhas pernas... – falei com medo.
- Calma minha linda, nós estamos cuidando disso. Sorte sua que recuperou os movimentos dos braços e das mãos tão rápido, é raro isto. Inclusive é raro ir e voltar para a vida por 2 anos viu?! – rimos. – É que as áreas do cérebro que morre em decorrência da falta de oxigenação causada pelo AVC hemorrágico podem se reconstruir aos poucos, e a recuperação é mais rápida quando feito o estímulo correto. Por exemplo, uma pessoa que sofreu alterações da fala terá um acompanhamento com fonoaudiólogo, assim como uma pessoa que sofreu paralisia que é o seu caso, fará fisioterapia.
- E quando começam as recuperações Doutor?? Não vejo a hora de mexer minhas pernas, estou ficando angustiada por sentir e não mover. – ele soltou um risinho.
- A recuperação do AVC hemorrágico começa enquanto você ainda está no hospital e continuará quando você voltar para casa. Na verdade ontem a enfermeira que veio te massagear, veio para fazer um experimento, para vocês se conhecerem e verem se dariam bem, porque ela vai conviver diariamente ou semanalmente com você! – lindo e inteligente, puta que pariu me beija. – E pelo visto se deram bem.
- Sim, nos demos bastante! – falei animada – Conversamos tanto...
- É ela me contou. – ele sorriu. – Continuando, durante a recuperação você vai aprender a gerir muitas coisas. O objetivo do tratamento depois de um AVC envolve também evitar possíveis eventos futuros, além de tratar as sequelas que surgem. Por isso, mudanças no estilo de vida são uma parte importante do acompanhamento do AVC hemorrágico. Creio eu que você não terá dificuldades com as mudanças.
- Ai que medo. – rimos – E quais mudanças são doutor?
- Não fumar ou permitir que outros fumem perto de você, limite de álcool a uma dose por dia para as mulheres, manter um peso saudável, praticar pelo menos 30 minutos de exercícios na maioria dos dias da semana. Caminhada é uma boa escolha!
- Gosta de caminhadas?
- Amo!
- Eu também.
- E continuando, tem que manter uma dieta equilibrada, pobre em colesterol, gorduras saturadas e sal, fisioterapia...
- Entendi. Dr. Gabriel e quanto ao que fizeram para me manter por esses dois anos?
- Bom, nós tivemos um monitoramento através das maquinas, bateria de exame, e para te alimentar era através de uma espécie de cânula. Durante o coma não há tomada de consciência de fenômenos como sede, frio ou calor. A sensação existe, mas a pessoa não está consciente delas. O mesmo acontece com a dor. Muitos respondem a estímulos, como picadas no braço, embora nós médicos acreditamos que não tenham consciência da situação dolorosa. Alguns pacientes são capazes de responder a estímulos ambientas como movimentos faciais que expressam dor ou desconforto. É importante garantir que não passem por situações desconfortáveis.
- Que foda. – falei e ele riu.
- Ainda tem mais, por mio de exames é possível documentar o quanto o paciente ouve, mas não é possível dizer se as informações são processadas como se estivesse acordado. E sobre a chance de voltar, diminui com o tempo. Quanto mais tempo o paciente permanecer sem resposta, maios é a dificuldade de recuperar-se e aumenta a chance de sequelas. Depois de 12 meses, a chance é bastante pequena. Você é um milagre!
- Por isso uma enfermeira entrou aqui ontem e disse que era Deus, eu não entendi nada. – nós rimos.
- Falando nela, vou chama-la para vir tirar amostras do seu sangue para fazermos algumas analises a maior parte dos seus exames já foram feito já que monitoramos você o tempo todo.
- Tudo bem então.
Ele ia se retirando e lá estava eu novamente sozinha. Onde será que Layla foi? Antes que ele fechasse a porta perguntei:
- Doutor você sabe onde esta a Layla?
- Esta na cafeteria, pediu para comprar um café da manhã diferente para você. De tanto pedir tive que deixar, mas só hoje hein moça? – ele riu e saiu.
- Obrigada. – agradeci mesmo ele fechando a porta.
Estava ficando incomodada com as minhas cortinas fechadas justo as que davam visão para quem passava pelo corredor, tinha apenas a janela e cortinas do jardim aberta e uma brisa gostosa entrava. Peguei o controle ao meu lado e liguei a televisão, agora eu podia assistir, eles não me deixaram assistir televisão antes pelo fato de eu estar perdida no tempo. Falaram-me, na verdade Layla me contou.
O jeito vai ser esperar algum santo aparecer. Olhei o relógio e já eram 11:32.
Nenhum comentário:
Postar um comentário