A PERSEGUIÇÃO. Capítulo 5 - Delegacia.

Carolina, do lado de fora da biblioteca, ficou chocada, incapaz de acreditar no que acabara de ouvir. A tia protestou, mas não ousaria enfrentar o marido. Tinha pavor de Roberto. Por um momento frenético, Carolina pensou em entrar na sala e confrontar o tio. Mas depois pensou no enorme motorista, Cullen, e do tio dizendo: Não contamos com criados aqui. Nossa vinda foi inesperada. Uma casa como aquela devia ter criados durante o ano inteiro. Portanto, o tio cuidara para que todos se afastassem. Devia saber com antecedência do testamento, e planejara ficar a sós com Carolina ali, à sua mercê. Cullen deveria ser parte do complô. Mais parecia um assassino do que um motorista.
Seu coração batia tão alto que teve certeza de que os tios poderiam ouvir. Sem fazer barulho, Carolina se afastou da biblioteca, subiu apressada para o seu quarto. Precisava pensar. Era a única pessoa que se interpunha entre o tio Roberto e o vasto império Batista. E o tio acreditava que fora ludibriado. Carolina sabia que não era verdade. Fora seu pai quem fundara a companhia e a fizera crescer. Trouxera o cunhado para a companhia por causa de Angela, e sempre o tratara muito bem. Agora Roberto planejava matar Carolina. Segundo o testamento, se Carolina morrer, as Industrias Batista passam a me pertencer.
Como o tio pretendia matá-la? Tinha de parecer um acidente ou suicídio, para que não recaísse nenhuma suspeita sobre Roberto. E o motivo para o suicídio era óbvio. Carolina podia até ouvir a voz do tio explicando à polícia: A pobre coitada ficou tão abalada com a trágica morte dos pais que se matou.
Mas como ele planejava matá-la? Como? Carolina olhou pela janela para o lago escuro lá embaixo e subitamente descobriu a resposta. O tio ia afogá-la. Tentaria atraí-la para o lago, sairiam num barco, e depois ele e Cullen dariam seguimento no plano.
Roberto dissera que retornariam a São Paulo pela manhã. O que significa que o assassinato de Carolina teria de ocorrer naquela noite. Ela precisava escapar, e o mais depressa possível. Mas para onde? A quem podia recorrer? O cartão de crédito internacional certamente o tio já deveria ter bloqueado, ele não seria tolo de deixar a sobrinha com dinheiro em mãos para poder fugir para outro país. Ou seja, não tinha dinheiro e não conhecia ninguém nos Estados Unidos. Nem mesmo tinha certeza se era capaz de falar a língua. Recordou a cena no Aeroporto Kennedy, onde não entendera o que as pessoas diziam. Deixarei para me preocupar com isso mais tarde, decidiu Carolina. Sua primeira providência era sair dali e conseguir ajuda. A casa era isolada, no alto das montanhas, e ela não avistara outras residências nas proximidades, ninguém que pudesse procurar. E foi nesse instante que Carolina se lembrou da cidadezinha por onde haviam passado, na subida. O nome aflorou em sua mente: Wellington! Devia haver uma delegacia de polícia ali. Iria até lá e contaria o que o tio planejava fazer. A polícia a protegeria.
Primeiro, no entanto, tinha de escapar daquela casa. Silenciosa, Carolina foi até a porta do quarto, escutou. Não ouviu nada. Abriu a porta. Não havia ninguém no corredor. Precisava tomar cuidado para não esbarrar com Cullen. Pensou naqueles braços enormes e estremeceu.
Carolina avançou na ponta dos pés até a escada, começou a descer, um degrau de cada vez, procurando não fazer qualquer barulho. Ainda podia ouvir vozes na biblioteca. Só que agora eram três. Roberto chamara Cullen. Carolina não precisava escutar para saber o que discutiam. Foi andando para o outro lado, na direção da cozinha. A porta não estava trancada. Um momento depois, ela se descobriu fora da casa, sã e salva, e desatou a correr, a correr por sua vida.
Passou pelos enormes portões da propriedade, continuou a correr pela estrada que levava à cidadezinha. Parou por um instante, atenta a quaisquer sinais de alarme na casa, mas não havia nenhum. E Carolina prosseguiu na direção de Wellington, pronta a se esconder se ouvisse o som de um carro se aproximando.
Mas só podia ouvir os sons noturnos, grilos, sapos, gafanhotos, e o sussurro do vento nas árvores.
Carolina se perguntou o que estaria acontecendo na casa. Talvez tivessem arrematado o plano. Teriam um choque quando descobrissem que ela foi embora, ficariam desorientados. Carolina já assistira a muitos filmes americanos, no cinema e na televisão, e sabia como a polícia podia ser eficiente. Haveria de punir Roberto Sato!
Carolina levou quase uma hora para alcançar a cidadezinha. Wellington mais parecia uma aldeia rural. Tinha um pequeno shopping center, uma mercearia, uma lavanderia e uma drugstore, tudo junto. Todas as lojas se achavam fechadas. Carolina foi andando pela rua principal, até chegar a um pequeno prédio de alvenaria, com uma placa na frente que dizia Delegacia de Polícia.
O coração de Carolina disparou. Conseguira! Subiu apressada os degraus, abriu a porta e entrou numa enorme sala de recepção que tinha cheiro de mofo. Um policial uniformizado se achava sentado por trás de uma mesa, escrevendo.
Levantou os olhos quando a garota entrou.
- Boanoitequepossofazerporvocê?
As palavras saíram unidas, sem qualquer significado para Carolina. Ela olhou aturdida para o guarda.
- Oquedeseja?
Havia um tom de impaciência na voz. Carolina engoliu em seco e pediu, falando bem devagar:
- Por favor, senhor, se pudesse falar mais devagar.
- Está bem. Qual é o seu problema?
Ele falou devagar e Carolina compreendeu.
- Minha vida corre perigo.
O policial murmurou alguma coisa que soou como Vou a chama do pente, mas Carolina sabia que não podia estar certo. Observou o homem pegar o telefone e falar por um instante. Depois de desligar, acrescentou para Carolina, bem devagar:
- Siga pelo corredor, até a primeira porta à direita. O tenente falará com você.
E, de repente, Carolina compreendeu o que dissera antes: Vou chamar o tenente.
- Obrigada. - Murmurou Carolina, agradecida.
Ela se afastou pelo corredor. Ao alcançar a primeira porta, bateu e entrou. Um homem de cabelos grisalhos sentava-se a uma mesa, tomando anotações. Tinha o rosto enrugado, usava um terno todo amarrotado, exibia a expressão aflita de homem sempre com excesso de trabalho.
- Possentá - Disse ele, sem levantar os olhos.
Carolina continuou de pé, confusa. O homem levantou os olhos.
- Você fala inglês?
- Um pouco, senhor.
- Ótimo. - Disse o tenente. - Pode sentar.
Carolina sentou-se. Sabia que só poderia entender o que aqueles americanos diziam se não falassem tão depressa, dando a impressão de que todas as palavras se união numa só.
Poucos momentos depois, o homem empurrou os papéis para o lado e concentrou sua atenção na jovem.
- Muito bem. Sou o tenente Matt Brannigan. Qual é o seu problema, filha?
- Eu...- Carolina não sabia por onde começar. Havia muito o que contar. - Houve um acidente. E meu tio está tentando me matar.
Não parecia muito certo. Ela tentou de novo.
- Meus pais morreram num acidente de avião. Herdei a companhia de meu pai. Meu tio está querendo tirá-la de mim. Precisa me matar para conseguir isso. - As palavras saíam agora num fluxo rápido. - O motorista vai ajudá-lo. Planejam me afogar e fazer com que pareça suicídio. Eles...
O tenente levantou a mão.
- Espere um instante. É melhor você começar de novo. Não compreendi uma só palavra do que disse.
Carolina percebeu que enfrentava a barreira da língua ao inverso. Forçou-se a falar devagar.
- Preciso de sua ajuda. Meu tio está tentando me matar.
- Certo. Ele a ameaçou?
- Não, mas ouvi quando ele falava. Planeja me afogar e fazer com que pareça um acidente.
- Ouviu-o dizer isso?
- Não... Não exatamente. Ele...
- Ele não disse que vai afogá-la?
- Não chegou a dizer isso, mas sei que é o que planeja fazer.
Em seu excitamento, Carolina começou a falar depressa. 
- Mais devagar. - Pediu o tenente Brannigan. - Vamos esclarecer tudo. Acha que seu tio planeja afogá-la, mas ele não disse isso.
- Não exatamente, senhor.
- E o que exatamente ele disse?
- Que eu devo morrer.

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